sábado, 21 de junho de 2014

VAIAS - COMO USAR

As vaias impostas à Presidente Dilma - apesar do Decreto Presidencial impondo o uso do termo "Presidenta" em documentos oficiais, me recurso a usar isso em documentos de minha pertença, porque ele somente ressalta o lado endurecido de nossa mandatária -, foram tema recorrente nas redes sociais, e na imprensa.

A despeito de qual seja a opinião predominante sobre esse melancólico final de reinado do PT, achei de mal gosto, principalmente porque veio de gente de classe média, num estádio construído no meio da miséria, em uma das cidades mais afluentes do país, São Paulo. Contradições se sobrepõem, salvo melhor juízo.
A deselegância não cai a ninguém, e como já dizia minha mãe, é mais uma questão de atitude do que da classe social a que você pertence, das roupas e jóias que ostenta, da mulher/marido que você possui (?!) ou do carro que "lhe" dirige.
Os fatos em SP não pararam por aí.
Dias depois, assistimos, com preocupação mais um protesto violento na mesma SP, uma cidade conhecida pela cordialidade. Concessionárias de carro de luxo invadida por uma horda disforme e sem ideologia senão a do ódio social.
Ao longo dos anos, SP fez o que outros grandes centros no Brasil, talvez à exceção de Brasília, não conseguiram fazer: varreu os seus pobres para debaixo do tapete, mais precisamente para sua orla. 
Se quiser testar essa perspectiva, aceite o desafio de tomar um trem do Metrô saindo da Sé até, digamos, Itaquera, onde fica o tal estádio da Copa. Se conseguir, fique perto de uma janela e observe a paisagem se deteriorar à medida que o trem avança, e se surpreenda ao ver que a quantidade de gente no trem somente diminui depois da estação Tatuapé. Observe também que um lado dos trilhos é mais urbanizado e abriga pequenas ilhas de prosperidade como o bairro de Ana Rosa, no Tatuapé, e também que cada um dos lados dos trilhos separa realidades diferentes.
Quem está acostumado a viver e conviver com comunidades debruçadas sobre áreas nobres, como aqui no Rio, onde as favelas são onipresentes nos bairros da Zona Sul, vai estranhar a ausência de comunidades carentes na área central de São Paulo (não conto com os moradores de rua ou os usuários de crack) ou em seus bairros mais nobres, à exceção talvez do Morumbi, que abriga a enorme favela de Paraisópolis, formada a partir dos operários que trabalharam na construção de seus prédios de luxo, e com restos de entulho.
São Paulo assistiu, mas uma vez assustada, como dizia, a invasão de concessionárias de luxo e estabelecimentos comerciais frequentados pela classe média alta. As cenas falam por si. Os manifestantes não atacaram apenas as vidraças. Investiram contra os carros importados com uma fúria inédita.
Há quatro anos atrás, quando morava em São Paulo, um professor meu da FGV já previa uma ruptura no tecido social brasileiro, e apontava estatísticas do Rio, temendo que o mesmo fenômeno se repetisse em SP.
Não professor, as favelas do Rio surgiram de forma diferente, ainda que seu desenvolvimento posterior tenha trilhado a mesma rota que as comunidades menos favorecidas de SP. O crime aqui se organizou com os restos da guerrilha armada, ganhou organicidade, que só recentemente se viu em SP. 
Em SP, o Estado se organizou, a economia cresceu, mas a cidade esqueceu de pisar o pé no freio. Continuou atraindo investimento, mas também miseráveis e gente de classe média desiludida. Esqueceu de primeiro incorporar os paulistanos às suas classes médias.
O que se viu nas manifestações não foi mais a indignação com o preço das passagens ou com o desatino da Copa. Foi puro ódio social.
Os manifestantes vão para a rua destruir bens que não podem consumir, circular, na proteção da turba, em lugares nos quais não são bem vindos, e nos quais não podem tomar sequer um sorvete sem atrair olhares desconfiados.
A escritora Lya Luft em recente edição da Veja, escreveu um excelente, mas reticente, artigo sobre a questão da (falta) de autoridade no Brasil. Apontava com preocupação o caminho que tudo isso estava tomando. Teme o retorno de um regime de exceção para fazer frente a tanto desatino. Afinal, nossa democracia é recente, foi inaugurada em 1988, para um pais com meio milênio de existência, e 9 Constituições, isso sem contar com a malfadada Constituição luso-brasileira de 1822. Ou seja entre nossa "independência" e a Constituição de 1988, pouco mais de um século, tivemos 9 constituições, umas mais e outras menos legítimas.
Não acredito que os militares queiram expor suas instituições, hoje recuperadas e em vias de reaparelhamento técnico, a uma nova aventura política. Os militares hoje são outros, suas lideranças estão mais empenhadas em alinhar nosso pais aos membros da OTAN e conquistar o protagonismo no Cone Sul.
Mas ao que interessa, que sinais nos mandam os xingamentos da classe média no Itaquerão e as manifestações violentas dos sem-ingresso, sem educação, sem transporte, sem saúde, sem referência religiosa e agora sem classe social (o PT varreu por decreto os miseráveis para debaixo do tapete).
Com a palavra os que possuem instrumentos científicos para se debruçar sobre o fato.
Em direito arriscaria dizer que estamos diante de um eminente conflito entre a Constituição Social - o arranjo de forças na sociedade -, e a Constituição Formal, as normas que assumem forma constitutional. Se somarmos a isso os recentes fatos relativos ao STF, guardião, em termos, da Constituição, a situação fica mesmo inquietante.

Um comentário:

Unknown disse...

As vaias foram resultado da péssima educação do país, que por "acaso" ela é a presidente.
Sou contra as vaias e também as badernas que os desordeiros chamam de manifestações.
A presidente Dilma sabia que iria ser vaiada, hostilizada e pagou pra ver. O povo não está satisfeito com o governo e isso não é segredo pra ninguém.